registos, leituras, ecos, palavras, imagens, gestos, passos de dança e ensaios de voo...
aromas e sabores que (a)guardo carinhosamente





re... começar

"Quando por fim voltares, traz no olhar
a nesga de areal onde algum dia
te encontrei entre a espuma e a maresia,
passeando a surpresa de haver mar."

Torquato da Luz



As janelas abertas permitem uma magnífica visão do local, lá fora o oceano acinzentado ruge imparável, o vento traz o cheiro da maresia e ouvem-se os gritos das gaivotas.
O sol brinca ao esconde-esconde com as nuvens enegrecidas, em breve os vidros serão açoitados pelas gotas da chuva anunciada. De momento a luminosidade intensa fere a vista, o dia amanhece prenhe de promessas, e o brilho no seu olhar denuncia a feroz intenção de o viver em pleno.

As nossas mãos não se separam, como se fosse impensável passarem um segundo sem se sentirem, pousamos o olhar um no outro e eu vejo no teu rosto o reflexo do meu sorriso. Os nossos lábios tocam-se em mais um beijo inconsciente que se prolonga, enlaças-me pela cintura e sinto o teu corpo colado ao meu, envolvidos num abraço apertado testamos a intensidade do desejo latente.
A brisa marinha faz esvoaçar as cortinas leves espalhando o aroma do café e das torradas acabadas de fazer. Sentamo-nos frente a frente partilhando com vagar a primeira refeição do dia, comendo e conversando, revendo os planos que alinhavamos para hoje. Confesso que sinto alguma preguiça, e uma enorme vontade de me voltar a aninhar contigo na cama perfumada que ainda há pouco abandonamos. Sei, no entanto, que o interlúdio junto ao mar está a terminar, e que a cidade chama por nós. Irei finalmente conhecer as ruas onde te perdes em caminhadas domingueiras, as praças e recantos que conquistaram os teus olhares mais demorados, o rio que te seduz diariamente. Estou particularmente curiosa em descobrir os cheiros e os sabores locais, o encanto das pessoas, os espaços e as cores que habitualmente te rodeiam.
Esta aventura, mil vezes sonhada, parece ainda irreal, e nem a tua mão meiga e firme consegue fazer dissipar a minha ansiedade escondida.

Juntos na cidade das luzes, sob uma chuva torrencial pouco usual, pasmados com os relâmpagos e os trovões, sorriem e murmuram baboseiras, soltando gargalhadas ocasionais que acompanham na perfeição a troca de carícias atrevidas. 
Decidiu leva-la a percorrer as principais artérias da cidade antes mesmo de lhe dar a conhecer a sua nova casa. Ao ritmo acelerado do seu coração, irrompendo na madrugada tempestuosa, surgem os detentores dos grandes nomes parisienses: Torre Eiffel, Louvre, os fantásticos Champs Elysee com o seu Arco do Triunfo a finalizar a avenida, Notre Dame, Sacre Coeur, Versailles... ela vai soltando notas de prazer e de espanto, espreitando por entre os limpa-pára-brisas apressados, ou entre as pesadas gotas de chuva que a molham abundantemente sempre que insiste em descer o vidro para sentir o cheiro do local. Apresenta-lhe o Sena, o apaixonante rio que corta a cidade em arco, promete-lhe uma viagem de barco num roteiro semi-turístico, dado que o seu conhecimento da cidade lhe permite oferecer mais, muito mais do que os lugares de visita obrigatória. 
Olha-a encantado, não se cansa do seu sorriso ou do brilho dos seus olhos, não sendo uma mulher bonita, é decerto uma companheira alegre e divertida.

(continua)