registos, leituras, ecos, palavras, imagens, gestos, passos de dança e ensaios de voo...
aromas e sabores que (a)guardo carinhosamente





salpicos

apercebe-se das lágrimas mornas que lhe correm no rosto, e sorri. permitir-se a amar, deu-lhe energia para forçar o recomeço. enamorada pelas brumas que o envolvem, pressente a sua presença em cada suspiro inesperado que rapidamente transforma em motivo de alegria. e a cada sorriso, o encanto aumenta acrescentando paixão aos dias sem sol, impedindo que as nuvens lhe escureçam o olhar brilhante que cintila ao ritmo das melodias partilhadas nos dias e noites que se entrecruzam em ímpar harmonia de sentires. e porque o seu amor existe já não lhe falta calor... pelo contrário, corpo e alma clamam pelos mistérios da sua "ilha de Avalon"...

espantosamente, é assim que o sente: a sua ilha perdida, o seu lugar mágico. o conhecimento que partilham um do outro, foi alicerçado nas suas buscas interiores e omite vários lugares comuns. não começaram o seu relacionamento tentando reunir sobre o outro a informação que consideraria básica noutras circunstâncias, e, talvez por isso mesmo a empatia se tenha instalado. foram preenchendo o tempo que passavam juntos com gargalhadas sonoras e beijos demorados quantas vezes entrecortados por relatos avulso, quase inesperados, de acontecimentos pontuais ou anseios profundos. assim, foram construindo o seu relacionamento com uma naturalidade que ainda hoje a deixa surpresa: sem pressões, sem projectos, isentos de “timings” ou obrigatoriedades... depressa percebe que os momentos que vivem juntos são os melhores do seu dia. já nem se surpreende quando dá por si, reservando imagens mentais, pensamentos ou ideias para posteriormente desenvolver a dois. o seu encontro parece vir reforçar a máxima estafada: "quando menos esperares tropeças no que procuras" - surpresas que a vida nos reserva quando menos esperamos.

ambos nasceram junto à praia. em praias diferentes é bem certo, com diferentes vivências, cresceram em enquadramentos diversos. as suas histórias de vida terão poucos pontos comuns, mas sente que poderiam ter sido amigos de infância. consegue imaginá-los compinchas de cabelo queimado pelo mar salgado, ele na água, a romper as ondas, ela na areia molhada a sentir o sol na pele e o vento no rosto. terá sido o marulhar que os juntou? essa música de fundo que a acompanha na imaginação, aquele movimento constante de ondas que morrem para de novo se erguer? porque é esse o ritmo que sente no peito aliado ao bater do seu próprio coração... hoje, quando falam do mar, são envolvidos pela nostalgia das suas memórias mais ternas, multiplicidades de sentires que as falésias eternizam e neles encontram fio condutor para diálogos apaixonados. descalços, a enterrar os pés prazeirosamente na areia molhada, jeans arregaçados, olhar preso na linha do horizonte, a oceanos de distância, vivem a mesma sensação de liberdade, o mesmo voar sem asas, o mesmo coração de mar... gaivotas perdidas à procura de... sabe Deus o quê...

fascina-a a embriaguez que este sentimento lhe provoca. sente-se dentro e fora do mundo, observa a vida através de um caleidoscópio multicolorido e passeia-se num universo paralelo - só seu, onde a paixão se sobrepõe à realidade. evitando acordar para o real (ou para a distância), gere as dicotomias (dever/querer) com a maior disciplina que lhe é possível, fazendo de tudo para que o êxtase não se perca. enquanto isso, a sua mente perde-se em ilações, mensagens subliminares de um coração apaixonado. ampliam-se os sons, agudizam-se os sentidos, valorizam-se as cores e os sabores, cozinha-se a paixão em lume brando...

trocam palavras como beijos, palavras puras que bebem sedentos de calor e de paixão. secretamente amantes dos passeios solitários (aqueles que fazem na imaginação), caminham lado a lado, num passo certo marcado pelo alegre abanar de cauda do "terrier" que não a abandona. procurando-se e acariciando-se, descobrem-se refúgio dos sentidos, do fogo da noite e dos tons sépia do amanhecer. com gestos de prazer, constroem ninhos perfumados em telhados de cristal. pousos transparentes, iluminados pelos reflexos prateados duma lua sempre cheia, onde comungam a presença do outro em fragmentos de silêncio... e assim abraçados, mergulham na nostalgia sorridente que lhes dá abrigo.

sobrepõe-se o dever.
nestes momentos insiste em perguntar-se se resistirão os elos de afeição que os unem. dá-se à tristeza e à solidão numa espécie de punição auto-induzida, temerosa e imprudente… vã e efémera a fuga ensaiada ao sonho e ao sorriso… ele é sol e luar, alegria inopinada e sentir em botão, é música que a inspira a novos passos numa dança por inventar, imparável e rodopiante!

ergue o rosto queimado de sol e de sal, e mantem o passo. sabe ser detentora de um coração muito especial, uma espécie de caixinha de vidro frágil, transparente e multifacetado, que quando enamorado oscila entre a luz e o mar refletindo olhares encantados que misturam sorrisos e salpicos, sempre cristalinos, sempre puros, silenciosos e imperceptiveis ao comum dos mortais, mas não a ele. ele prova a cada dia ser um valoroso parceiro de aventura, um verdadeiro cavaleiro andante que a impulsiona a caminhar forte e segura. enquanto caminha, a vida acontece, os rios correm para a foz que lhes dá abrigo, e os mares crescem embalando melodias e paixões. hoje sabe que a história de contornos mágicos e brilhantes será sua para sempre e que a linha do horizonte terá eternamente a beleza dos tesouros que esconde...